A RELÍQUIA:
                           MULHERES EMERGENTES número zero, na íntegra.


                                                      
                                                       AUTORAS E POEMAS
                                                    ME NO. ZERO – NOV. 1989
EDITORIAL –
LÚCIA CASTELLO BRANCO

Imagem  – 
ZELIA ROGEDO

Lusco e fuscoTÂNIA DINIZ

Memória amorosa   ADÉLIA PRADO

Feminae 
SONIA QUEIROZ

Silogismos 
–  LAÍS CORRÊA DE ARAÚJO

Hermafrodita 
  LIVIA TUCCI

Vertigem – 
MARIA ESTHER MACIEL

Imagem  XV  – 
ADALGISA BOTELHO DE MENDONÇA

Herótica  – 
ELZA BEATRIZ DE ARAÚJO

Misiones  – 
RITA ESPECHIT

Estigma  – 
THAIS GUIMARÃES

Maria quarta  –  MALLUH  PRAXEDES

Mão única  –   DORA TAVARES

Prece absuerda 
–  BRANCA DI PAULA


                                 POESIA DE LÍQUIDA MATÉRIA
 
                                            Lúcia Castello
Branco
Quando
penso em “ Mulheres Emergentes”  como uma
expressão que busca nomear a poesia erótica feminina da contemporaneidade, a
primeira coisa que me ocorre é a presença de uma inegável metáfora fálica que
ali se expressa. Afinal, “emergir” significa “sair”, “elevar-se”  e, no contexto em que a expressão se encerra,
não há como não ver um falo à vista nesse movimento.
Entretanto,
nos poemas dessas mulheres que emergem, percebo uma vez mais que esse discurso
feminino aponta para algo que se situa mais além. Ou mais aquém, se quisermos
pensar a poesia como uma escavação contínua e alucinada da linguagem.
Não é por
acaso , portanto, que dentre 14 poemas eróticos, pelo menos 3 deles façam
referencias explicitas a Deus, esse estranho lugar do indizível e do inominável
onde o feminino vai gozar. Isso sem falar na reiteração constante do silencio,
do gozo total, ou do místico pertencer a que essas mulheres se referem.
É aí nesse
momento que que a ideia de emergência, a meu ver, se amplia, fazendo ecoar em
suas reverberações a pantanosa e líquida matéria de onde o emergente provém:  afinal, “emergir” é “sair de onde estava
mergulhado”. Não há como não ver água nesse percurso . não há como não ver
mergulho nessa trajetória . Talvez por isso se possa ouvir nessa poesia erótica
feminina, não somente o emergente, mas o imergente
que seu emergente contém.
E aí a
metáfora não só se amplia como permite pousar num curioso entrelugar, que não é
dentro nem fora, nem fundo do mar, nem 
terra firme, mas alguma coisa entre os dois, como se vê em  “Lusco e fusco”,
ou em “Feminae”: dentro e fora d`água.
Talvez, assim:
na espuma da superfície das águas que, ora emerge, ora submerge. Nesse lugar entre não há leis do falo ou da fala,
mas uma constante e absurda prece em torno do que não se diz, do que não se
nomeia.
Onde o
gozo? _ indaga a poesia feminina. A resposta _ as mulheres sabem _ é sempre uma
cilada. Resta então preencher a errância (ou a vertigem) com palavras que
jamais preencherão, jamais alcançarão esse gozo total, sempre deslizante,
sempre mais além.
E o mais
além – elas sabem – pode estar na gruta diamantina ou no dedo viperino, no
continente boreal ou na inacreditáveis unhas do homem. Mas estará  certamente 
– e disso elas também sabem – nas palavras, palavras que fazem da pétala
do coral a matéria mais erótica da poesia. E que nos falam de um estranho amor,
capaz de lavar a alma. Ou a vulva.
                                                                                                         Professora da UFMG, pesquisadora.

IMAGEM 
Me pense nua
Rua em que
passas
Sob luas
Teu espaço
Passo
Luminosa
esfera.
Me pense
escura
Pura noite
hera
Colada ao
pelo
Teu braço
Em minha
pele.
Me pense
chama
Pois que
ardo
Assim eu
quero.
                                 Zélia Rogedo – bh-mg
Lusco e fusco 
Entreternu(r)a
entre ondas
de lençóis,
entreabertos
nuvens e sóis
da noite
Em voo cego
em nervoso açoite
de lábios e músculo
me procuras 
Te
entrenego
entrebuscas
me entrescondo
(entretranso)
entrefugindo
me encontras
Me entrego
e venho
tempo de se ter 
 te entre tenho.

                                                                          Tânia Diniz – bh-mg
Memória amorosa
 Quando ele aparece
Bonito e
mudo se posta
Entre
moitas de murici.
Faz
alto-verão no corpo,
No tempo
dilatado de resinas.
Como quem
treina para ver a Deus,
Olho a
curva do lábio, a testa,
O nariz
afrontoso.
Não se
despede nunca.
Quando sai
não vejo,
Extenuada
por tamanha abundância:
Seus dedos
com unhas, inacreditáveis!
              
                          
Adélia Prado

– Divinópolis –mg
Feminae
A minha
carne dói 
desta
certeza 
De animal
solto
Que tem
dono
(este
místico pertencer
E ser tão
livre)
O meu olho
chama
E acha
E chameja
(e já não
te pertenço
Mas ao
fogo)
O meu corpo
se entrega
E fulge
Em ouro teu
corpo
(mas já
fugi ao sol
Deitas-te
em brisa)
Teço-te
teias rendadas
E canto-te
canções, eu ave livre
E
danço,peixe
Dentrpo e
fora d`água
E faço-te
mel
E berro teu
nome, cabra alucinada
E sei
Que se te
encontro
Logo perco
(este rugir
sempre
Tão longe e
perto
A me
chamar, leoa  
aos pés do
rei)
                                                       
                                                           Sônia Queiroz – bh- mg
Silogismos
A língua
sibilina
Em quando
falo                                        
_ fala?
O dedo viperino
Em quando
levita                                   
_ manuscrita?
A boca
fescenina
Em quando
suga                                    
_ conjuga?
A pele
colubrina
Em quando
chama                                 _
diagrama?
O seio
horizontino
Em quando
iguaria                                 _
alegoria?
A coxa
serpentina
Em quando
possessa                                _
expressa?
A anca
messalina
Enquanto
sodomia                                 
_ritmia?
A gruta
diamantina
Enquanto sumarenta                                _ argumenta?
O sexo
saturnino
Em quando
estertora                               _
elabora?
A carne
guilhotina
Em quando
estala                                      
_ cala.
                       
    Laís Corrêa de Araújo – bh-mg  
Hermafrodita 
 

Que eu me envolva,
que eu em vulva,
que eu me em verve.
                       
                       
Do corpo adormecido,
                       
a saliva acorda-nos em tempestades,
                       
lava-nos em cântaros, a cidade.
           
            Do
animal desordeiro,
                       
as ancas trêmulas e góticas,
                       
cavalga-nos o potro em soluços, os cheiros.
Que eu me envolva
na verve de tua vulva,
que eu me inflame
no fluido de teu falo,
que silente calo, calo, calo.
                       
Da boca,
                       
que a reparto em duas,
                       
em desmedida e assexuada gula,
                       
sugo de uma só vez, ambíguos lagos.
                                                                                     Lívia
Tucci
– bh-mg
                                                        Poeta, cantora, professora de inglês
Vertigem 
Onde o gozo
Se do
exílio
Ousa o
corpo
O que olho
Nunca vê?
Se além do
mais
Ainda a
falta
Me
arremessa
Ao
não-saber?
Se não toda
E sem
começo
Estremeço
De desejo
No sem-lei
Que é ser
mulher?
                                        Maria Esther Maciel – Passos –mg
Imagem  XV 
Caminhar,
penetrar segura na caverna misteriosa. Tropeçando em pedras, desviando-se dos
ramos da entrada, molhando os pés nas poças d`água. Baixar a cabeça no estreito
túnel e descobrir o imenso salão, estalactites, estalagmites, fio d`água corre
no chão escorregadio. Andar compassado, seguir, profunda cratera.
Experimentar
os sons, deformar os passos inseguros, lamber as paredes salgadas e úmidas,
cheiro guardado em gaveta esquecida. Memória prodigiosa do tempo, alegria
desconhecida. Fenda na terra, útero , trompas ovários e diversos outros salões
imprevisíveis. Corpo independente, pai e mãe da busca, a fenda se projeta para
o centro misterioso. E eu, espermatozoide do tempo, procuro o ovulo, minha meta
implacável do esguicho final.
                                                        
                                                                 Adalgisa Botelho de Mendonça
Herótica 
Arando
manhãs
Arranhando
trevas
Quero que
me ames
De trama
inteira
Hera
sanguessuga
Que me
arranhe
Trepadeira.
                                                 Elza Beatriz de Araújo – bh-mg
Misiones
    
Chove no
inverno argentino.
No céu
nubes y medias lunas
No quarto
calor y media luz.
A noite
pulsa corpos e corações.
Ah, meu
amor misioneiro
Catequisa-me
Água benta
de tua boca
Lava-me
alma e vulva.
                                                               
                                                     Rita Espechit  – bh-mg
 Estigma  
A pérola  entre a penugem
Da pétala
de coral
Lateja.
A rosa,
secreta
A surpresa,
espera
Os dedos do
jardineiro
E
deseja.
                                         Thaís Guimarães –bh- mg
Maria Quarta     
… Assim o
pequeno deitou entre eles.
Um pouco no
colo de Maria.
Um pouco no
colo do pai.
E os três
foram se embolando.
Um
esquentando o outro.
Ele rindo
pra Maria.
O pequeno
vindo pra Maria.
Maria
pegando os dois no colo.
O pequeno
do lado direito, dormindo.
Ele no lado
esquerdo, pedindo.
Os dois e
Maria.
Ele e seu
filho.
Na noite.
No frio.
Até outro
dia.
Lindo dia
Maria.
                                                              Malluh Praxedes  – bh -mg
Mão única
A única mão
que prevalece
É a sua a
deter
Nos meu
trilhos
Tortuosas
concessões
Ao longo de
mim
Estreita.
A sua mão
 Única
A resvalar
no macio
Das
reentrâncias
Do meu colo
_ o
continente boreal _
À espera do
gozo
Total.
                                                        Dora Tavares – bh-mg
Prece absurda  
Salva-me de
mim mesma, amor
Salva-me do
frio e do eterno
Livra-me do
medo e do fatal instantre
Liberta meu
desejo cativo de teu beijo
Acalma
minhas entranhas, amor
Acende vela
 que eu não quero escuro
Esconjuro o
demo, o corpo não presta
Repousa
aqui:
Uma fenda
úmida rasga o deserto.
                                                               Branca di Paula – bh-mg

ATÉ BREVE, AMIGOS!
Tania

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