a calamidade à solta, apesar de dolorosa, provoca olhares poéticos.
Me encantei com o texto da amiga Paula Cajaty e o repasso a vocês:
Queridos amigos,

O céu desabou nos braços do Rio.
Assim como a lama marrom, o desespero invadia os jornais, a tevê, ruas e esquinas, todo canto que mais se olhasse.
Água que não se fartava de cair. Barro que não se fartava de descer. Eu mesma, que, arteira, apreciava um banho de chuva, tomei uma ducha tão forte, em breves minutos da quarta-feira que o cabelo pingava como saído do mar.
Falando em gente avoada, enquanto a água me surpreendia e se despejava em pingos grossos nos meus cílios (num dia que me pareceu muito firme e claro), olhei para cima, para o céu que arreganhava um sorriso negro e malévolo às 9 da manhã.
Espantosamente lembrei das garças que revoam nos arredores da minha rua. Das minhas leves e brancas garças. Ideia ridícula essa, claro, eu pensando em garças enquanto voava encolhida pelas calçadas, aproveitando marquises e rodeando poças. Coisa de doido, só podia, eu pensando fixamente em aves enquanto tomava umas golfadas de ar antes de voltar a correr desesperada, nos quarteirões que ainda faltavam para chegar em casa.
Onde estariam elas? Frágeis como nós, seus ninhos desfeitos, os filhotes em perigo. Sumiram desde o início do ciclone. Frágeis como nós, água suja para beber, comida rareando. Para onde teriam ido? Onde se esconder quando tudo o mais falta? Casa, família, água, comida, tudo desabando no vendaval.
De certa forma, a tolice sem tamanho virou uma pergunta aflita e triste que me fez esquecer da chuva pesada. Frágeis como nós, nem todas sobreviveram.
Às vezes nos imaginamos mais fortes do que leves e brancas garças. Mas o céu nos lembra que não é verdade.
Quinta-feira passada encontrei uma a esmo, sob o sol, andando sem rumo num campo gramado da Praça da Bandeira. Deve ter perdido tudo.
Tomara que – assim como tantos – ela encontre o que precisa para continuar.
www.paulacajaty.com

Comentários

  • Zélia Guardiano
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    Lindo, Paula! Matéria para profunda reflexão. Afinal, somos um só, gente e garça… A Grande Vida é uma só vida…
    Parabéns!!!
    Um abraço

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