uma ótima crítica à Antologia ME 18!
(Leonardo de Magalhaens escreveu:)
Sobre a ANTOLOGIA ME 18
organizada pela poeta Tânia Diniz
(Mulheres Emergentes, BH / 2007)
Fragmentos e testemunhos da Voz Feminina
Acreditando que Poesia não é apenas sentimento, mas é construída por sentimento e algo mais – elaboração da linguagem, do discurso, das múltiplas leituras, etc – na valorização de uma Voz que se expressa para um Outro (espera-se sempre um Leitor) e na superação da Carência e da Incomunicabilidade, nossa atenção aqui se volta para a Poesia de Voz Feminina.
Uma antologia a demonstrar um interesse de coletar poemas que possam expressar o que se designa como ‘Voz Feminina’, não apenas no sentido de ser poesia escrita/declamada por mulheres, mas pelo conteúdo simbólico a expressar sentimentos, intimidades, confissões, idealizações amorosas, erotismo velado/ sugerido, pornografia, ou mesmo ‘feminismo’ (no sentido político de militância pelas igualdades de direitos entre homens e mulheres)
Num mundo onde a mulher é ainda enganada, humilhada, perseguida, esmagada, violentada, transformada em objeto, em pleno século 21 de domínio ocidental (dito cristão e liberal), quando a esperança de uma igualdade – seja política ou econômica – torna-se apenas mais uma mercadoria à venda no mídia, é deveras importante manter viva a Voz discursiva em defesa da legitimidade da luta das mulheres em prol da plena dignidade e vida segura.
Ao lermos os poemas desta Antologia Mulheres Emergentes 18, percebemos que a mulher confessa um sofrimento que vem de duas fontes, uma externa, de conflito com o Outro – o amado, os filhos, a família, etc – e uma interna, os descompassos entre o idealizado e o realizado, o mundo/o sentimento que ela sonhou e o que realmente aconteceu, gerando toda uma quebra de expectativas, uma frustração/ depressão.
Esta carga dupla, estes fardos dentro e fora que a mulher carrega gera todo um complexo de infelicidades que levam os homens a se vangloriarem de serem homens. Há um pensamento chinês – anterior a Revolução – que traduziríamos assim: “Nenhum orgulho em ser homem, mas orgulho de não ser mulher” . Produto óbvio de uma civilização ‘machista’, diríamos, onde a mulher era criada sob opressão, sofrendo até deformidades corporais (os pés eram propositalmente atrofiados!) Mas espelha todo um sentimento de estar livre de um (ou dois) sofrimentos a mais.
Nestes poemas se diluem o medo de amar, o medo da rejeição, a insegurança no amor, no relacionamento (seja namoro ou casamento), a idealização do Ser Amado, o sofrimento da perda, a insatisfação erótica, a repressão da sexualidade, as múltiplas tarefas (mãe, esposa, trabalhadora), ou seja, todo um quadro que extrapola a Poesia ao se desvelar no ato da Escrita. Pouco experimentalismo com a Linguagem, e mais a Confissão.
Meu amor comprimido
se recolhe pequenino
no canto da sala
intimidado
oculto
(Andreia Leal / Mariana/MG)
Um sentimento que não se desenvolve (e se deforma) devido aos vários medos – da rejeição, da sujeição, da perda, da traição – que imobiliza o acesso ao Outro,
O medo
narrativa sem descanso, sem descanso
em remoinho em rumorejos
em sobrevôo em sobre nadas
(France Gripp / BH/MG)
Quando é um sentimento que é confessado, aqui liricamente, e atinge a emoção, por identificação (se for lido por outra mulher a sofrer o mesmo) ou compaixão (se o leitor não sofre disso, e se apieda de quem sofre) Entenda-se que não falamos extamente da Autora. Pois o enfoque é a Voz que confessa, o Eu-Lírico.
Assim pode confessar, velada ou desveladamente, encontrando na arte verbal uma forma de ‘aliviar a dor’,
A poesia retoma ao giz-de-cera
De uma infância de cores
para aliviar as dores
De quem nesta arte
Será sempre aprendiz.
(Brenda Mars / BH/MG)
Mesmo que exista muita idealização da Poesia e do/a Poeta, aquela imagem romântica ou parnasiana, no mundo das névoas ou na torre de marfim. Enquanto alguns defendem a Poesia enquanto retrato e testemunho do mundo de misérias e carências, injustiças e dominações, outros esperam a Poesia enquanto fantasia, utopia, fuga/escapismo do mundo de insatisfações,
Ser poeta é habitar um mundo diferente
É ter dentro de si a própria fantasia
É gurdar no seu peito esse desejo ardente
De viver na ilusão sublime da poesia
(Eliza Ramos Amaral / SP/SP)
Quando não se idealiza o fazer poesia, idealiza-se o Ser Amado, ou se ironiza o mesmo ser quando a frustração desfaz o jogo de máscaras,
Percebia seu medo de se entegrar e não conseguia mais
parar de pensar naquele príncipe nada encantado.
(Ana Carol Diniz / BH/MG)
então a ironia não passa de ‘defesa psíquica’, o famoso ‘rir para não chorar’, ou uma amargura contra as ‘sacralidades’ que perpetuam a opressão,
Então
O masculino Senhor disse:
Vai, Eva, e nutre a vida,
com o suor dos teus sonhos.
Não te esqueças, mulher
que inventaste o amor
e isso é imperdoável.
(Maria de Lourdes Horta / Recife/PE)
Muitos poemas germinam sugestões mais do que descrições, há toda uma preferência em sugerir mais do que descrever, em provocar sinestesias do que explicar, em evocar inexistências do que problematizar o existente, em falar mais do indivíduo do que situar o social, o coletivo (nosso individualismo que o diga…) Tal preferência lembra muito as temáticas das poetas de renome, amplamente divulgadas, p.ex. Cecília Meireles, Cora Coralina, Henriqueta Lisboa, Hilda Hilst e Ana Cristina César, ou as traduzidas obras de Gertrude Stein, Sylvia Plath, Anne Sexton, Elizabeth Bishop, Marianne Moore, Gabriela Mistral, etc, que prezam mais o Eu do que o Social, o Texto mais do que o Contexto.
As temáticas se aproximam ainda mais na densidade dos poemas em prosa, que unem a tessitura do prosaico com a imagética do poético,
Ainda trêmula pelo último frêmito, ela se acalma. A
pele, em lento e decrescente calor, exaurida, se
apaga. A alma, leve como pluma, envolve-se em
nuvens de cetim. Volátil, flutua num sono feliz.
Esquecendo-se, porém, de apagar seus desejos de
mulher, ela desperta, iluminada pela luz do próprio
olhar. (…)
(Lívia Tucci / BH/MG)
ou uma carta de desamor, ‘gelada’ e áspera, a desconstruir o afeto,
Caro senhor,
Tempos atrás conseguíamos despertar desejos um no
outro. Hoje isso já não acontece mais. Quando viro para o
outro lado da cama, o senhor vem com seu braço de
chumbo e o coloca sobre meu corpo, que sábio que é
o rejeita e depressa volta à forma de pedra. Jeito sutil
de mostrar sua indiferença já quase antiga e crônica.
(…)
(Iara Alves / BH/MG)
Ou uma poesia imagética a evocar obras das artes plásticas, num conjunto de cores e formas, que as palavras procuram decodificar – apenas para gerar outra codificação…
Branco é o luar
derramado no mar do Prado.
Branca é a nuvem
que se estende no céu claro de
verão
entre as palmeiras e a casa
em construção
na areia.
(Nazareth Fonseca / BH/MG)
Ou poemas que sugerem uma viagem, um voo de ave, um teletransporte, um sopro de vento, um mapa cartográfico de Pasárgada, um devaneio de mundos-outros,
Mudei minha rota:
Agora sou gaivota
Sobrevoando o mar.
…
O meu voo é leve,
Virei ave viajante,
Com uma linguagem tão forte
Que abre portas no céu.
(Raquel Naveira /Campo Grande / MS)
Mudar completamente!
Transformar a paisagem,
ferir com o grito
velhos amores.
Destelhar abrigo inseguro,
partir fios, galhos e flores.
Sou como o vento.
Ante o estabelecido
provoco movimento.
(Silvana Pagano / BH/ MG)
Encontramos também uma amostra de quase-tradução, nos poemas ‘bilíngues’ de Silvia Ansprach (SP), onde a beleza de cada poema é criada na linguagem (o idioma) de cada poema (não traduzidos, mas versões do mesmo tema) Pois a Tradução seria mesmo Traição (“tradutori traditori”, tradutores traidores), sabendo-se que ora se preserva o sentido, e perde-se a sonoridade, ou vice-versa, temos o som e não os significados… Aqui, os mais ‘próximos’ seriam “Geminal e Seminal” e “Geminal and Seminal”, que abordam as obras de Clarice Lispector e Virginia Woolf, figuras ímpares e significativas da Voz Feminina, com direito a uma referência ao poema hermético de Gertrude Stein (“rose is a rose is a rose…”), emblemáticos na Antologia Mulheres Emergentes 18, que se destina a recuperar e proclamar a expressão artística verbal da mulher,
“Ambas desafiam o verbo,
desfiam a linguagem,
rosário de poesia
em prosa
e glosa.”
“Both defy wor(l)ds,
defile language
in prose
primrose (is a rose is)”
(Sílvia Anspach – SP -SP)
fevereiro de 2010- Belo Horizonte – MG
Leonardo de Magalhaens
http://leoleituraescrita.blogspot.com
http://desencontrosgrafados.blogspot.com
Comentários
Oi, Vi os cartazes na UFMG, achei ótimo…Parabéns pelo lindo trabalho, agora te sigo com meu blog…JackLigiero
OI, LINDA! MUITO OBRIGADA. ESCREVA SEMPRE.BJINS,
TÂNIA