30   maio  2018   Quarta

Dias atrás, tive imensa alegria ao receber o comunicado:

Chegou! A edição 68 da revista portuguesa InComunidade: www.incomunidade.com   – maio 2018
Acessem e desfrutem!!! vale a pena!!!!




E quem está ali de novo????  Euzinhaaa, Tânia Diniz… página 4, se não me engano…


Agradeço demais aos amigos da Revista, AMEI a publicação e as boas companhias!!! Parabéns a todos e minha gratidão, mais uma vez.


Tento reproduzir meu trabalho aqui, espero que dê certo, que saiam todos os contos e poemas (sou jurássica em tecnologias, já sabem, rs), mas se não der, vão direto ao site e aproveitem tudo.




Tânia Diniz



Uns contos e a poesia de Tânia Diniz


Requinte
Sentia-se inspirado esta noite. Aprontou-se com apuro. O espelho devolveu-lhe a imagem perfeita em black-tie. Com um sorriso sensual, passou a mão pelos cabelos e, cantarolando, desceu as escadarias.

O imenso salão do castelo estava primorosamente arranjado, com flores e velas entre fugazes cortinas e espessos tapetes. A grande mesa ao centro, bem preparada.
Deixou a rubra taça sobre o aparador. Um gole lhe bastava.

Sentou-se no único lugar, a ele destinado, bem em frente à imensa salva de prata ao centro da mesa. E, ajeitando o guardanapo de linho branco, com elegante gesto, destampou-a.

Delicioso aroma flamejou-lhe as narinas. Maravilhou-se com o refinamento do cardápio. Entre perfeitas cerejas, cachos de uva, alguns dourados pêssegos afundados em ninhos de fios de ovos e salpicados fígados de pombos, estava a mais delicada iguaria que já lhe fora servida: esplêndida mulher jazia em repouso, apenas coberta a pele de marfim por seus cabelos de ébano.

Educadamente, secou os lábios de vinho e iniciou o ritual do banquete.

Com sábias mãos, percorreu o macio corpo, sentindo que seu calor atingia, assim, quase a elevada temperatura desejável. Envolveu os seios com mãos conhecedoras. Não resistiu, fugiu a todas as regras de etiqueta: provou-os com leves mordidas. E como a carnuda boca o tentasse também, lambeu-a e explorou-a por dentro.

Ao discreto pigarrear do mordomo que entrava, caiu em si. E, de faces coradas pelo deslize, ou talvez, pelo apetite, com finos gestos, tomou dois talheres de prata.

Abriu-lhe delicadamente o peito e devorou-lhe o coração, com tanta elegância, que sequer um pingo de sangue lhe comprometeu a bem aparada barba azul.
De Segunda Mão

Era um grande depósito, como um ferro-velho, onde se viam empilhados ou espalhadas, partes de corpo por todos os lados.

Ele entrou, revirou, vasculhou e achou: três seios novinhos e um par de pernas razoáveis, com pouco uso. Ligeiro defeito no dedo menor do pé esquerdo. Escolheu ainda uns largos quadris, onde pretendia curtir preguiça como no regaço da mãe. E procurou uma voz mansa para contar histórias na hora de dormir mas, não havia. Não sabia para quê, mas não resistiu a uma mão direita de longas unhas vermelhas. Levou-a.
Talvez servisse como porta-qualquer-coisa, para dar adeuses ou para se coçar. Já ia saindo quando uns olhos verdes, de longas pestanas, pendurados perto da porta, deram-lhe uma piscada irresistível. Levou-os também.

E todo feliz, cheio de embrulhos, saiu imaginando com que retalhos de ilusão costuraria (e que rechearia  de sonhos e romãs) as partes que vinha juntando, há meses, para fazer sua mulher ideal, de segunda mão.
Desamor
 
Ela vinha contente contar-lhe as novidades. Ele, preocupado, pedia para esperar um pouco. Ela esperava, o pouco passava e ela se esquecia. Nada contava.
Novos acontecimentos, vem ela contente, querendo falar.
Ocupado com a tv, ele pede para esperar.
Ela, calada, espera, até se esquecer.
De novo vem ela querendo contar, e ele agora está lendo, pede pra calar. E ela, calada se vai, pra mais esperar.
E quando chega o tédio, sem problemas ou lazeres, querendo se animar, ele a chama contente, e pede pra contar. E ela, atônita, tentando lembra, descobre, infeliz, que já não sabe falar.
Temporão

 
Desde que o seu molar superior amolecera, ele passara todo o tempo a cutucá-lo, como uma criança na troca dos dentes de leite.

Movia-o sempre com o indicador, gozando a sensação de prazer doloroso que a perda gradual do dente lhe provocava.

Até que o molar soltou-se inteiro da gengiva e exultante como um menino, ele jogou-o no telhado.

Mas o dente teimoso caiu-lhe de volta nas mãos. Resolveu então plantá-lo. Fez um buraco no canteiro, revolveu e colocou-o ali, pela raiz, cobrindo-o com terra adubada. Molhou bem. E todos os dias o regava.

E quando brotou o belo sorriso entreaberto, acompanhou contente seu desenvolvimento até abrir-se em um riso cristalino.

Colheu-o então (antes que se tornasse um sorriso amarelo, pensou), colocando-o em bela jarra de prata com água fresca a um canto da mesa.

Ali, ele alegrou o ambiente até tornar-se uma grande gargalhada, quando então, lhe caíam os dentes e despetalou.
 
Culpas
 
Amava-o assim mesmo, sem grandes emoções, pois que o tempo as acalmara, havia muito. Não importava a gagueira, ouvia-o com infinita paciência e até sofria pela aflição dele em querer dizer palavras inteiras, sem sucesso. Afinal, ele ficara assim por ela, pelo grande susto que levara ao quase perdê-la um dia, para o rei de vizinho país. (Ao lembrar-se do distante episódio, ainda um pequeno travo amargou-lhe a boca, pela saudade do que poderia ter sido.)
E assim, acomodou-se na cadeira de balanço, tomou da linha e da agulha e, pacientemente, começou a alinhavar-lhe as palavras.
 Borboleta
Um beijo
pelo  corpo  inteiro 
                           ligeiro
deixou
          uma borboleta roxa
     mordida 
                    na  
                              coxa
 
                               guardo na pele
o calor do sol
a sede de lua
(a seda da pluma)?
A renda do tempo
E o terno afago da mão
– a tua.
 
  
   
Em corpoárido  seco terreno
ardeste fogueiras, distraído
Fez-se fogo farto  fogo-fátuo
e sem ti, anjo torto, corpotraído,
 jaz agora
              fogo morto.
Luas
 
 
 Na lua nova
        de recurvo brilho
        a paixão renovas
 
No meu céu 
     de cio crescente 
    a chama alteia
 
            E serpente e sereia            
            me encontro vindo:
                                             lua cheia
 
             E quando, bacante,                   
            mesmo minguante,
               me prendes a cintura
                         na quadratura de cada mês,
                                                a cada vez,
             desvendas com arte
         a sanguínea face 
                   de minha lua escarlate.
                            
                                          Reinos
 
 
                                       Ter
                                       formas de maçã
                                       A surpresa
                                      de textura e cor
                                      da romã
                                      Do caju,
                                      sumarenta carnadura
                                      Da goiaba de vez,
                                      o frescor
                                      Então,
                                     apetitosa e nua
                                      a fome acesa
                                      em tua mesa,
                                      ver, talvez,
                                      o emergente calor
                                      da tua carne dura.
 
 
 
Narciso assustado:
feixe de rugas!
Brisa no lago.
   
     
 
vôo dos pássaros!
fio costurando ligeiro
o céu ao mar.
 
 
delicado manjar
ao sol da manhã:
banana-maçã.
 
 
                    
 
casa iluminada
n’outra margem do lago.
navio singrando a noite!
Pintura

 
Me faço
Traço
Nanquim  
na tua tela 
Ponto, elipse, 
Paralela  
Me disfarço  
Esfera  
no trapézio  
do papel
Danço  
losango absurdo
na horizontal 
triângulo essencial 
ao teu pincel 
Me dissolvo  
Caravela 
em águas   

de aquarela.


Tânia Diniz é poeta e editora brasileira, reside em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Tânia Diniz. Graduada em Letras, pela UFMG (português, francês, italiano e espanhol). Poeta, contista, editora, promotora cultural, professora de idiomas, palestrista, oficineira , editora-idealizadora do mural poético Mulheres Emergentes, em 1989_ publicação trimestral de circulação internacional_ pelo qual já organizou 07 Concursos Internacionais de Poesia, Contos, Lendas e Ilustrações. Livros de contos: “O Mágico de Nós”, “Rituais”. Poemas:  “Mulher EmBalada”, “Bashô em Nós”, “Relato de Viagem à Marmelada”, “Flor do Quiabo”, “Série Preciosa”, entre outros. Trabalhos publicados em diversas antologias, revistas e jornais nacionais e estrangeiros, impressos e virtuais. Diversos trabalhos premiados em concursos literários no Brasil e exterior. Embaixadora Universal da Paz, Cercle Universel des Ambassadeurs de la Paix – Suisse / France, Poeta del Mundo. www.mulheresemergentes.com

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