A Saga ME – Mulheres Emergentes  Parte 2 . 2 

Ano 3     No. 10       Jun Jul Ago 1992                  1.000 exemplares  


Vozes
da mulher

A
voz feminina demorou muito para se fazer ouvir. É só dar um passada pela antropologia
e pela psicanálise para se perceber que a falocracia está nas origens mesmas
da sociedade. Lévi-Strauss mostrou como se deu a inserção social nos tempos primevos.
Tudo decorreu da passagem do animal à emergência do ser humano, momento
em que a proibição do incesto fez-se uma regra básica de comunicação, na medida
em que estabeleceu, a partir do que era proibido ou permitido, os elos entre pessoas de famílias diferentes. 

É
por aí que se pode perceber como a troca de mulheres, essência da proibição do incesto,
comandou processo de interação entre sujeitos, marcando o modo como se estabeleceram
os movimentos fundadores das relações sociais. Esse é também o cenário que
Freud pôs em circulação ao criar o  mito
do pai-totêmico, muito bem exposto no seu Totem e Tabu.

Mas
como adverte Lévi-Strauss, a troca de mulheres não se faz impunemente. Ela ocorre
a partir de um pacto singular em que dois homens agenciam uma troca, numa prática  específica em que um renuncia à fêmea de sua
família a favor de um outro que a reivindica.
É nesse movimento desproporcional, nesse dois a um, que tem início a sociedade
organizada. Lévi-Strauss destaca que não há qualquer impedimento para que, ao
reverso dessa postura, fossem as mulheres que trocassem os homens, mas o fato é que
em todas as sociedades as trocas se fazem com a predominância do masculino. E é aí
que nasce o patriarcado, uma instituição que instaura valores pétreos através
dos quais
se dá a condução da sociedade, marcada no domínio e na opressão feita contra a mulher.

Esse
cenário é também discutido pela psicanalista neozelandesa Juliet Mitchel, no
seu Psicanálise
e feminismo
. Apontando todos os problemas advindos do patriarcado com instituto
das relações sociais, Mitchel destaca que a superação do domínio do homem poderia
desaparecer se se criassem novos processos de inserção social, vale dizer, se a organização
social se fizesse sem a troca de mulheres. Mesmo advertindo que isso seria algo de projeções indefinidas e
não muito claras na atualidade, a psicanalista chama a
atenção
para que se criem projetos que representem um movimento de superação. Um dos
pontos que serve como aceno para essa proposta é dada por Mitchel quando fala
da necessidade
de uma revolução cultural e isso implica a necessidade da mudança de um sistema
que só terá chance de ocorrer se entrar em cena uma prática política. Mas essa prática
não será suficiente em si mesma se não for sustentada em uma teoria. Supõe-se que
esses aspectos estejam em construção conforme se pode ver em inúmeras

manifestações,
ações e propostas que vêm se fazendo nos últimos tempos. Isso significa que
a demora em se ouvir a voz feminina, tal como se colocou no início deste texto, hoje
ganha projeções animadoras para que essa voz alcance a escuta em alto tom. E se
a mudança
da inserção social é algo difícil de ser vislumbrado hoje, nos termos de se abolir
a troca de mulheres,  que pelo menos uma
sociedade não patriarcal seja viável a partir
de uma proposta que promova a entrada na cultura, organizada diferentemente das implicações
que hoje sustentam o mecanismo da troca de mulheres. Isso pode ter êxito quando
se pensa que tal ação se conduz de forma a aninhar seus predicamentos nas profundidades
do inconsciente. Seria oportuno, então, citar textualmente a colocação de Juliet
Mitchel: “As mulheres devem se organizar enquanto mulheres, para mudar a ideologia
fundamental da sociedade humana. Para ser efetiva, essa ação não pode ser uma
oposição dirigida simplesmente contra a dominação do homem (embora isso desempenhe
um papel tático). A luta deve ser fundada numa teoria que mostre que nessa
etapa, as leis instituídas pelo patriarcado não são socialmente necessárias”.
Acho que
esse Mulheres Emergentes é uma contribuição que se oferece para discutir e buscar alternativas
nesse cenário ora vivenciado.

É o que se
pode ver com os vinte e cinco anos dessa publicação produzida por
Tânia Diniz,  reveladora de alternativas importantes para se
pensar e discutir, com fundamentos, a candente questão de gênero”.

                              
    Audemaro Taranto Goulart   
        Professor do Curso de Graduação e do Programa de
Pós-graduação em Letras da PUC Minas. 
 

Ler Mulheres Emergentes, pra mim, é poder acessar conjuntamente a mais
fina inteligência e a mais delicada sensibilidade. A Deusa da Sabedoria começou
a me visitar mais constantemente a partir daquela doce, sublime e provocativa
publicação.

                         Marcos Fabrício

                            BH – poeta, professor e jornalista.


Editorial – Tânia Diniz
Ilustração : Zé Baliza e Alexandre Drummond – BH – MG
                 Foto: João Evangelista Rodrigues – BH

Frutos e flores – Marina Colasanti – RJ- RJ
Auto-retrato  – Lídia Avelar Stanislau – BH- MG
Minha porção mulher… Bené Fonteles – Brasília – DF
Súbito, senti de longe…  Yara Shimada – SP
Carta dum contratado – António Jacinto – Angola
Plena floração.  …  Áurea de Arruda  Féres – SP
Hortelã – Eliane Fonseca – SP –SP
As mulheres são irmãs das frutas… João Evangelista Rodrigues –  BH 
Concretização do desejo, volúpia de formas… – Tânia Diniz – BH
Sábado – Bruna Lombardi – RJ-RJ
Puberdade – Abel  Pereira – Ilhéus – BA
Ensaio de verão – Áurea Domenech – RJ
Noiva – Zé Baliza – BH
Instante eterno – Teresa Julieta Andrade – MG mora RJ
I)Sumo de verão  – Antonio Barreto – Passos, mora BH-MG
Fadário – Rosa  Angela  Fontes – Poa –RS
Brinquedo de sol – Heliana Barriga – Castanhal – PA
Presa – Graciela Santos – Salvador – BA

Editorial
Depois
de tantas cores, suave outono, flores de maio. Depois de reflexos azuis
do céu nos olhos, o ar puro nos reveste o coração de verde esperança.
Ecos (92?) da Natureza. A poesia continua a nos visitar, trazendo fé num
mundo melhor, acreditando que o inverno vai passar e que as flores
retornam com mais perfume. Quando setembro vier. E o próximo ME.
                                                                                                         a editora

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