hoje temos:
Menções Honrosas
Poesia
Kadydja Albuquerque Borba – Aracaju – Sergipe
PROSA DE DUAS
– Vai, me conta
que felicidade toda é essa?
– Não é grande coisa, tonta,
é só a falta de pressa.
– E esperar não desatina?
Quando penso na estrada,
me vem logo essa sina
de viver aqui dentro
a espreitar pela janela.
– Não seja boba, amarela!
À espreita está seu pensamento,
que entorta o caminho
e teme o andar do tempo.
Vá viver sem contar as horas.
Crescer é assim mesmo, demora.
E se o dia um dia apavora,
Crie quantos sonhos puder.
– E depois de sonhar?
– Depois mate um a um.
Isso é o que te faz comum.
Isso é o que te faz mulher.
– E se comum eu não quiser ser?
– Comum você já não é.
Por isso essa pressa
que consome, menina.
Por isso essa janela,
que não abre a cortina.
Alkady
*
Emilia Oliva – Cáceres – España
avanza como reo al cadalso
y sólo siente el animal que es
más allá de toda compostura
la cicatriz de un miembro cercenado
el frío nítido y el recorrido intacto
de lo que no es
un animal que va al cadalso
y nada tiembla
Emilia
*
Sílvia Anspach – São Paulo – São Paulo
PALIMPSESTO
Rasura é
instrumento
que revela
as camadas de tinta,
a tela
sob o verniz.
Textura pura,
matiz primeiro,
sem mistura,
absoluta fonte,
Matriz
primeva tintura,
força motriz:
Adão e Eva
Rosmarino
Destaques
Laís de Castro – São Paulo – SP
Gato na janela
Tem um gato na janela da minh’ alma
Que alarma minha di-agnóstica fé
Quieto, silente, em posição bem calma
Ganha, perde, ressona e cai de pé
Tem um gato na janela de minh’alma
Pronto a um indecente e vão dissídio
Comigo, que o acolho e dou morada
Num esdrúxulo e inútil suicídio
Tem um gato na janela de minh’alma
Que gira em torno de si. Não quer parar
Que mia e canta e chora e desafia
O meu desejo impróprio e singular
Tem um gato na janela de minh’alma
Que quer comer, caçar e me arranhar
Desperdiçando as nossas sete vidas
No extremo azul sangrento deste mar
Tem um gato na janela de minh’alma
Que bate e rebate bolas em degredo
Que me suporta, me aquece e me acalma
Que corta, exclui e subtrai meu medo
Laís
*
Alicia Zavala Galván – San Antonio – Texas – USA
Paraíso: La ultima noche
Empiezo a vislumbrar
la puerta que conduce
al exilio.
Esta hecha de huesos.
Los huesos de los que
morirán de enfermedad
de hambre,
de los que fallecerán
en las guerras sin fin
por los siglos
de madres sin hijos
y hijos sin madre.
Mañana
todo cambiara de pronto.
Esta noche se siente
larga y pesada,
jamás volveré a dormir
el sueno de los inocentes
como Adán duerme
en este momento.
El no sabe que son
sus últimas horas
rodeado por perfección .
Mañana
le ofreceré una manzana
de aquel árbol
fragrante y bello.
Aceptara
confiando en mí
Así como yo confié
y le pagare con traición
así como yo fui traicionada
En ese momento
todo se derrumbara.
Empieza amanecer.
Ojismo
*
Patrícia Avellar Zol – Belo Horizonte – MG
Me Soa Dentro, Aceitei,
Dos Males: O Maior.
Vale Tudo, Qualquer Coisa
Vai No Fundo, Ensimesma
Encisterna, Bóia, Vira-Bosta
Vira-Lata,Vira Troça
De Si Mesmo
Trapo De Farrapo
Haja Guerra!
Suculentas Carnes Enchem
De Tanto Vazio
Desequilíbrio
Aporte Em Si
Pise No Sonho
Crie-Se De Novo
Pra Parar De Boiar
Pra Tentar Voar
No Caminho De
Tua Estrada Finda.
Celacanto
*
Maria Cristina Dreser – Buenos Aires – Argentina
DIBUJO
(I)
Entre las sombras te veo en silencio
rodeado de puntos suspensivos…
Sé que te maté con mis labios,
te enterré con mi pensamiento,
detuviste tu viaje en mis sábanas
para que recuerde levemente
tu piel, tu aroma y el contacto soñado.
En la oscuridad tu rostro es un dibujo
que quiere convencerme que sigues vivo.
Tu voz callada revuelve mi conciencia,
desciende poco a poco para encarcelarme.
Sé que mis labios te han matado
y asistí al funeral.
(II)
¿Por qué vuelves? ¿Acaso no estás muerto?
Traes preguntas, inventas respuestas
con el lenguaje de los muertos,
aprendiste a descifrar el misterio
para dejarme en la incertidumbre
de pensar que si tú estás muerto
quien está ahora a mi lado
es la sombra de mi propia muerte…
LUZ DE LUNA
* * *
Minicontos
Menções Honrosas
Carlos Fradkin – Buenos Aires – Argentina
Puerto Algarrobo
Mis antepasados, por miles de años, fueron cuidados por sus pastores espirituales, los mismos que tal vez hoy, aún nos cuidan, y nos guían en la creatividad del silencio, en medio de una naturaleza que nos otorga sus dones, los que debemos descubrir y valorar entre las plantas vivaces de nuestra existencia.
Y cada uno de nosotros -quizás- tenemos un Dios, consecuentes con la fe, y
aun sin ella, que nos resguarda la memoria, protegiendo e indicándonos los caminos.
Un día, en Puerto Algarrobo, un pueblo de mi provincia con sus viejas casas de piedra y aberturas resquebrajadas, vagaba un caminante, agobiado por sus problemas. En busca de paz acaso, descendió por las barrancas hasta llegar a la costa del río Paraná. Se detuvo en las arenas. Y él, que nunca admiró la naturaleza, se quedó allí, extasiado, mirando el reflejo del sol en las aguas, las bandadas de pájaros volando por los islotes cercanos, y observó las canoas de unos pescadores que hundían lentos los remos, dejándose llevar por la correntada.
El hombre, de rodillas sobre la arena y en la orilla misma del río, concentró su atención en todo cuanto lo rodeaba. Sintió paz en su interior y un gozo indescriptible. Se incorporó, elevó sus brazos al cielo, y agradeció.
Joaquín Ortiz
*
Marta Helena dos Reis – Contagem – Minas Gerais
O mercador de estrelas
Noite de junho. O frio cortava minh’alma-ossos. Em plena Praça Sete, andávamos de braços dados, eu e a solidão. Já éramos velhas conhecidas e desde há muito, entre nós se estabelecera uma parceria cúmplice. Pro nada, caminhávamos… De repente, no soslaio do espanto-encantamento, aquele homem eu avistei, rodeado de pivetes! Todos se aqueciam ao fogo de papelão recém aceso, quando me aproximei. Com passos de desalento, caminhei sem hesitar, pois na vida, eu já perdera tudo! O homem falava por enigmas, em língua que espocava brilhos e purpurina ao luar. Alguns mendigos, também chegavam. Geava no adentro-fora do mundo, então juntar-me àquela gente, era um jeito de me aquecer… Sem dúvida, o homem era o centro das atenções. Certamente, de outras noites, já o conheciam. Esperançosos, aguardavam-no, enquanto ele se preparava, como para um ritual sagrado. Concentrado, ajeitou o seu turbante e pegou, solenemente, a sua gaita. Em seguida, mandou que fechássemos os olhos e começou a tocar… Eis que a música, aos poucos, ia nos penetrando, penetrando. Profundamente. Embriagados, obedecíamos ao seu comando. Com doçura, nos ordenou que levitássemos no rastro das estrelas, cavalgando o firmamento, pelas galáxias do além sonhar… Por quanto tempo?… Ah, não sei!… Mas foi o tempo suficiente para esquecer o frio, a fome, o medo… Lentamente, acordávamos daquele sonho, leves e calmos… Trazíamos fagulhas de infinito, faiscando no olhar. Assim, alguns partiram; outros, porém, dormiriam por ali mesmo, ao calor daquelas chamas. Quem pôde, deixou na caixinha alguns trocados. Dentre tudo, eis a surpresa maior: o homem era cego! Ele ganhava o sustento vendendo estrelas que ele mesmo, jamais contemplara! Deixei na caixinha algum dinheiro e segui meu caminho… Entre mim e a solidão, se interpusera agora o mercador de estrelas que nunca esquecerei! Naquela noite, ele me ensinou a cavalgar o infinito, naencruzilhada de meus descaminhos, onde me reencontrei.
BORBOLETA DE NEON
*
Delba de Avelar Menezes – Ribeirão das Neves – MG
Amor de Chocolate
Duas xícaras e meia de açúcar. O afeto é doce e não admite frações. Suas mãos lânguidas deslizam sobre a página do livro de receitas num carinho implícito, sem respostas. Duas colheres de manteiga, três ovos. As claras batidas em neve. Neve. A palavra viaja em seus olhos até o cume de montanhas em fotos de revista.
Imagina o bolo de chocolate com seus convites implícitos misturando-se à saliva na boca dele. O gosto doce-amargo transubstanciado na língua em bom bocado de quereres. A vontade explícita de comer doce, agora aflorava-lhe à pele e acometia seu peito com inexplicáveis anseios sem medidas. Abre o armário procurando localizar nos rótulos os nomes desconhecidos do amor, quando a fome irrompe nos poros.
Três xícaras de chocolate. O leite jorra do peito. Fermento não precisa, a massa transborda da tigela. As mãos dele passeiam pelo dorso das costas amansando suspiros ainda adivinhados.
Na batedeira, a massa gira em sentido horário, mas o tempo desobedece o relógio e pára para esperar o amor inventado. O amor transita entre miragens e sabores, verbos conjugados em desaparelhas, pretérito mais que imperfeito.
Ele vem chegando. Ela espera. A massa pronta, só falta uma pitada de sal, contraponto para temperar a vida. Ela abre a gaveta, vêm à memória a conversa de ontem, os sussurros e os silêncios. A colher de pau perdida entre os talheres embaralha suas lembranças.
O calor do forno arde no peito. O bolo cresce. Penetra-lhe no corpo um bando de andorinhas, mas não é verão. O tempo é frio, voam solitárias asas no vermelho do horizonte. O azul, que seria do céu, tinge os lençóis amarrotados de tulipas escondidas na trama dos tecidos, a seiva da planta deixa nódoas rememorando o amor. A massa é leve. A pele, macia. As mãos dele deslizam pelos contornos da geoanatomia descobrindo montanhas, depressões, planícies e pântanos.
Ela espera… o tempo parado passou no relógio.
Bolo na boca. Na saliva, o gosto amargo-doce de chocolate sem beijo.
plurimarias
*
Eliane Accioly Fonseca – São Paulo – SP
Gregos
Apararam os cabelos do menino de dois anos, e no lugar da festa a tragédia: esgoelou de sufocar. Espantada a mãe viu o sangue correr dos fios cortados, e em cada fio, uma pequena serpente que, rabo de lagartixa podado, voltava a crescer. Viviam no reino de Medusa, e a família se apavorou. A deusa malévola certamente não admitiria outro igual em seu universo.
Enviado por precaução ao Templo de Apolo. Cabelos ofídicos faziam dele um ser das sombras. Protegido, porém, por Apolo, o deus solar, a aparência de malvado não desmentia seu generoso coração. Amado pelos que o cercavam. Nenhum homem, mulher ou bicho que olhasse direto sua face ou olhos jamais se petrificou, muito ao contrário, dançava como bambu. Ao crescer tornou-se namorador e fez grandes amigos, entre esses, um tal de Teseu.
Paradoxalmente, a única a se queixar dele foi Medusa. Correria o risco de provar de seu próprio veneno? Encontrá-lo a petrificaria? Ela assim acreditava. Acusava-o de roubo de direitos autorais. Pensava nele com tal arroubo odiento, que o fantasma daquele jovem povoou seus dias e suas noites, foi sua inconteste e grande paixão; sua imagem masculina e especular; seu avesso; o pior veneno de sua existência _ sempre à distância.
Nem Freud explica.
Lili
* * *
Destaques
Valderez Mello Cornachione – Jundiaí -SP
TRAIÇÃO NÃO TEM PERDÃO!
Idos de 1945. A guerra havia terminado e na casa grande e arejada da pequena cidade, uma linda mulher cuidava dos filhos: feliz, lavava, passava, cozinhava. Loura de cabelos encaracolados, boca bem traçada, pernas deslumbrantes e brilhantes olhos verdes. Uma deusa entre panelas, tanque de roupas sujas, ferro de brasa e fogão de lenha. Uma vida sem passeios, sem projetos, apenas o rádio, sobre o étagere, proporcionava músicas e lágrimas com a novela no final da tarde.
Sua beleza e juventude eram fartamente oferecidas ao único homem de sua vida, vinte anos mais velho, com quem se casara com apenas dezesseis anos. Todos os filhos nasceram com ajuda da parteira, entre dores e alegrias, nada de resguardo, nada de repouso. No dia seguinte ao parto, punha-se a trabalhar como se nada tivesse acontecido.
O marido, a cada dia atrasava mais e mais para voltar para casa. Ela, uma mulher bonita, fogosa, alegre, saudável, honesta, trabalhadeira, zelava dos filhos e da casa, não aceitava a idéia de infidelidade. Então, uma noite, resolveu esclarecer e constatou: existia outra mulher, uma aventura, uma diversão, fosse lá o que fosse, era traição e traição não tem perdão! Porém, sua única realidade era uma casa e seis filhos. Sem profissão definida, como enfrentaria um desquite? Então, decidiu fazer justiça com seu próprio martelo. A separação não dependia de juiz algum, mas somente dela e sentenciou ao marido:
_ De hoje em diante nesta casa não haverá mais choro de criança! Você é um homem livre e poderá ter as mulheres que quiser, menos uma: eu. Porém, arcará com a obrigação de sustentar nossos filhos. Assim foi decidido e assim se fez. A separação de fato e de direito estava formalizada. Entrou no então quarto do casal, desmontou a cama de alvos lençóis, carregou tudo para o quintal e com o mesmo machado que rachava lenha todas as manhãs, golpeou o móvel ensandecida, juntou as lascas de madeira, acendeu o velho fogão a lenha e preparou a refeição do dia. Junto ao crepitar das chamas incinerou o casamento. Essa mulher emergente envelheceu e morreu na mesma casa, aos noventa e sete anos. Missão cumprida!
Marisca
*
Mariza Trancoso – Belo Horizonte – MG
O Anjo
Ela já fez oito anos, ainda chupa dedo, ri de tudo e desenha em toda parte. Parece vício! – recrimina a mãe. É conhecida como Lila, a afilhada do Bom Jesus da Lapa. Mas, essa é outra história… Não cabe aqui, neste miniconto.
O certo é que a menina não pára de desenhar. As paredes negras de fuligem, os cadernos e até as areias do rio que margeia sua cidadezinha natal acolhem resignados seus gráficos devaneios. O quadro negro do Grupo Escolar também é testemunha de sua passagem e fluência: cangaceiros e marias bonitas se misturam a bandeirolas e flores; meninos e meninas, cães e gatos se confundem com estrelas cadentes e balões, num céu de giz.
Outro dia ela desenhou o coroinha da igreja, no caderno de aritmética. Mas escondeu. É sua paixão secreta. Por ele, apenas por ele, não perde uma missa. Não reza nada. O altar é seu palco, sua tela de cinema, seu circo. Tatu – cujo pai sonha em endireitá-lo com a ajuda do padre alemão – tem a mesma idade: é baixinho e gordinho; ela alta magra. Durante
as missas ele vira anjo e voa. Se junta aos outros, no teto da capela de N. Senhora d Ajuda, e fazem a festa… Lila voa junto segurando a saia, talvez por pudor…
A menina o viu, pela primeira vez, quando ambos corriam, entre a molecada, atrás do palhaço de circo recém chegado à localidade. À noite foram vistos sentados na primeira fileira da arquibancada sob a lona aplaudindo com alvoroço, comendo pipoca e morrendo de rir.
Mas, nunca se falaram. Nunca, nem mesmo se entreolharam…
Fora das missas Tatu é um moleque como outro qualquer. Sem fantasia o mundo real beira o tédio e todo moleque é igual. No mundo de Lila, só habita o imaginário. Nada de códigos, nada de proibições. Lá, para se apaixonar, basta mergulhar no sonho, recriar a realidade, fantasiá-la e se divertir. A paixão por Tatu se expande nos desenhos e se renova a cada missa.
A afilhada do Bom Jesus ama um anjo e morre de rir de tudo o mais.
Jade
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Neuza Ladeira – Belo Horizonte – MG
Terra seca fogueira ardente
Quando as forças de seus nervos se desconectaram fazia com que as pessoas se ressentissem e afundava numa duvida hospitalar mas sempre dizia estar mesmo aflito galopante exausto Todavia o ano transcorreu numa convivência repetida Depois do terremoto do cansaço nas faces irritadas sabia que o ninho tinha sido varrido pela tempestade Navegou na profunda solidão.
eNe
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Maria Inês Marreco – Belo Horizonte – MG
PÉS DE GALINHA
A amiga acabara de telefonar avisando que estava em Belo Horizonte, morrendo de saudades e que não admitia voltar para o Rio sem se encontrarem. Um chá, um jantar?
Dorinha não pensou duas vezes. Marcou um encontro em sua casa. Ficariam mais à vontade, a amiga conheceria seu novo apartamento, reveria seu marido e as meninas, que ainda eram muito pequenas da última vez que as vira. Põe-se em ação imediatamente. Queria deixar a casa arrumada, comprar algumas flores, uma lembrancinha para oferecer à amiga e preparar um lanche gostoso.
Na hora do almoço, todos à mesa, Dorinha comentou com o marido:
– Sabe quem vem nos visitar hoje?
– Quem?
– A Alice, lembra-se dela?
-Claro. Há muito tempo não a vemos.
– Pois é. Da última vez que a encontrei, coitada, estava tão acabada, a pele tão mal tratada, cheia de pés de galinha!
– Mas também, pudera, depois de tudo que passou!
– Tomara que esteja melhor, ela merece ter um pouco de paz na vida, sofreu tanto!
Finalmente, chega a amiga. Abraçam-se e beijam-se efusivamente. Foi aí que Alice pode observar que a pequena Sofia olhava insistentemente para seus pés. Então perguntou:
– Olá querida! O que tanto olha para os pés da tia?
A menina dirige-se diretamente à mãe:
– Mamãe, você disse que ela tinha pés de galinha? Não tem não. Os pés dela são iguais aos nossos. Presta atenção. Não são?
Madame Mim
* * *
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